quarta-feira, junho 08, 2005

Trabalhem carago!

Hoje não tive carro, entreguei-o de manhã na oficina para arranjar e apanhei o autocarro para o trabalho.
Os meus pais sempre ficaram impressionados com a quantidade de histórias que eu "recolhia" nas paragens ou nos autocarros. Chegava à noite a casa e tinha sempre algo para contar.
Desaparecida essa "veia" há já algum tempo, hoje despertou ao som de uma conversa de duas senhoras. As duas, já perto dos 60 anos, queixavam-se do calor, dos incêndios, da chuva que não veio e da que veio fora do tempo, das dores nos ossos, da violência nas ruas...

Nem sei como, mas nos 10 ou 15 minutos que estive na paragem do autocarro, passaram em revista todos estes temas e mais alguns. Já nem me recordo do tipo de ligação que faziam entre eles, mas o facto é que saltavam como sapinhos no charco:
"Antigamente o tempo era assim seco em Junho, a gente é que já não está habituada"
"Este tempo é melhor para os ossos" dizia uma, enquanto a outra, com o síndrome de a-minha-dor-de-ossos-é-pior-que-a-tua, dizia "mas os meus doem com qualquer tempo".

E enquanto uma tirava o verniz das unhas com a ajuda da senha, a outra agarrava na carteira e veio à baila do problema da segurança.
"Eu agora tenho muito medo de andar na rua, no tempo do Salazar, isto não era assim. Só não se podia fazer greves, nem falar de política, mas ao menos andava-se à vontade nas ruas", dizia enquanto arranjava as mangas da camisa.

A outra assentiu imediatamente e abanava a cabeça a concordar com tudo o que se dizia. E ainda acrescentou: "nem se via cá filhos a matarem pais. Se tem jeito. Havia, sim senhora, mais segurança".
E eu olhava impávida e serena para as duas senhoras e imaginava-me no lugar delas daqui por 30 e muitos anos a dizer exactamente as mesmas coisas, mas sem tocar em Salazar porque não vivi a época dele.

Triste não é as pobres velhinhas, que devem receber a vergonha de pensões que os nossos velhinhos recebem, evocarem o nome de Salazar como o salvador, triste é não terem mais nenhum nome que evocar sem ser o daquele do tempo da Outra Senhora.

Não houve, então, ninguém na história recente da política portuguesa que seja visto com bons olhos, ninguém fez nada de jeito, as condições de vida são cada vez piores e a sociedade está cega, surda e muda.

Dizemos na brincadeira, com os do Gato Fedorento, que são uma cambada de "Mentirosos, de Gatunos e de Chupistas" mas de facto não passam disso mesmo. Mande-se abaixo o baralho de cartas gasto e corrupto que se instalou em Portugal.

Vamos fazer um país todo de novo e desta vez quero lá saber das terras do Brasil, de África, da Índia e de dividir o mundo com a Espanha. Eles que fiquem com tudo que eu só quero um país onde possa sair à rua sem haja cada vez mais mendigos e indigentes, sistemas de educação e de saúde com menos lacunas e que os bois que ganham balúrdios à custa de todos nós tenham vergonha na cara e façam o que lhes foi pedido quando votamos neles.

Um senhor dizia "Deixem-me trabalhar!", eu digo "Trabalhem carago!".

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Eu que sou mais ecologista que a menina Trinca e ando quase sempre de autocarro e comboio também já ouvi várias vezes dessas do "no tempo do Salazar é que era bom". E ficava roxa de chateada. Então, as pessoas não sentiam que agora tinham liberdade? Então, agora não viviam melhor sem medo dentro das suas próprias casas? Não sentiam que podiamos todos saber mais e chegar mais longe?
Mas, de facto, há pessoas que trocavam tudo isso pela sensação de segurança, pela estabilidadezinha de merda, pelo certinho. E só agora ao ler o teu texto é que percebi que, realmente, é triste não haver mais nenhuma referência marcante que faça essas pessoas acharem que valeu a pena. Eu acho que valeu a pena mesmo com todos estes políticos terceiro-mundistas que vamos tendo. Acho que mais cedo ou mais tarde vamos ser governados por alguém que nos traga prosperidade material e de mentalidades.
A prova que não fomos é que ainda nos cruzamos com pessoas que acham que a democracia não trouxe grande coisa.

11:28 da manhã  

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